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Os antenados de plantão e, principalmente, os fanáticos por Artes Marciais (a propósito, me encaixo nos dois) não comentam outra coisa nos últimos dias a não ser a luta entre Anderson “Aranha” Silva e Victor Belfort. Para os desavisados ou desinteressados no assunto, foi uma luta entre dois dos maiores campeões do UFC e um embate entre dois brasileiros dos mais esperados em todos os tempos.

A luta em si, apesar de ter um monte de gente dizendo o contrário, foi redonda: dois oponentes de altíssima qualidade se estudaram por mais de dois minutos, sem nenhum golpe que comprometesse, até que tomaram iniciativa e, em menos de um minuto, um chute frontal na cara do Belfort definiu a luta. Isso mesmo! Depois de alguns minutos de enrolação (como os leigos chamam essa preliminar), a luta acabou de forma rápida e precisa.

Após o anúncio do campeão, começam as entrevistas e uma das mais esperadas era com Steven Seagal, que treinou Anderson Silva antes da luta. Com todo respeito a Seagal Sensei (sim, o cara coleciona dans em algumas artes marciais), eu não esperaria outra atitude dele na entrevista. Para quem não assistiu, ele literalmente capitalizou com a vitória do Aranha (leia a reportagem). Segundo o ator/mestre/ex-agente da CIA/monge budista, o chute que nocauteou Victor Belfort foi desenvolvido e aperfeiçoado por ele nos últimos 30 anos.

Depois dessa entrevista, muitos praticantes de Artes Marciais e estudiosos do assunto se revoltaram e começou uma enxurrada de emails, posts e tweets em defesa da verdade absoluta. Um grande amigo meu, praticante de Karate, garante que é um Mae-geri. Outro, do Hapki Do, diz que é Ap Tchagui. Um monte de praticantes de Muay Thai diz que é um chute clássico da luta. Mas, vou te falar que até no Judô temos esse chute (dentro da disciplina de Atemi-waza).

E onde eu quero chegar com essa ladainha toda sobre luta? Num ponto que vive assombrando a Publicidade: o plágio.

É claro que nenhuma das lutas citadas acima, em momento algum acusam umas às outras de plágio. Apenas defendem a paternidade do chute ou dizem que o Seagal adaptou um chute tradicional. Bom, na minha modesta opinião, Silva deu um chute que qualquer peladeiro sabe dar, mas que foi eficiente, ah, isso foi! O problema é que nas artes marciais, o chute frontal é praticamente que onipresente em todos os estilos. Por isso, não dá para dizer que os japoneses plagiaram os tailandeses, que por sua vez imitaram os chineses que copiaram a ideia de um manuscrito coreano antigo. Infelizmente, na Publicidade não é bem assim…

Por exemplo, a ilustração abaixo lembra que campanha?

Ponto pra quem lembrou da campanha da Suzuki (“Quem entra, compra”), feita pela Africa:

É claro que a agência negou o plágio. Mas, vale a pena dar uma olhadinha no trabalho do Mico Toledo (ex-Leo Burnett Lisboa).

Há outros casos (muitos outros na verdade) de outras agências. Pequenas, médias ou grandes, não importa o tamanho sempre tem alguma para comprovar o infame ditado que muitos professores meus (principalmente de Sociologia, Filosofia e Psicologia) repetiam: “em Publicidade, nada se cria, tudo se copia”. Eu sempre tive ódio disso e cheguei a me estranhar com um deles mas, infelizmente, começo a achar que alguns deles tinham razão.

É fato que muito do que a gente vê por aí é fruto de muita pesquisa e inspiração em referências. O problema começa quando a referência é literalmente chupada e estampada na criação. Assim não dá! Não é um chute, nem um acorde de música clássica de domínio público!

Outra campanha que me incomodou bastante, já mencionada aqui, é a última do Bradesco. Certo… eu falei sobre a porcaria do jingle, mas a campanha continua me incomodando, principalmente com aquela história dos dedos dos atores desenhando no ar o logo do Bradesco (igualzinho à ação nos filmes do Itaú). E não tem Cristo que me tire da cabeça que não foi proposital!

A Africa e a Young & Rubicam são grandes agências, mas não estão livres desses deslizes, assim como as outras. Mas que isso não se torne uma constante. Infelizmente, os Diretores de Criação não têm o mesmo saco que os professores das faculdades de ficar procurando de onde vieram as brilhantes (por vezes, suspeitas) ideias dos trabalhos de seus alunos. Aliás, para quem não sabe, a fraude acadêmica, nos últimos anos, se tornou uma grande e lucrativa indústria. E já não é de hoje.

Nunca vou me esquecer de um caso, na minha época de graduação, quando uma grande agência fez um processo seletivo para estagiários de Criação. Da minha turma (composta de 4 salas com quarenta e poucos alunos cada), um pouco menos que a metade ficou interessada. Me lembro nitidamente: era preciso desenvolver uma peça para revista com o tema “ecologia”. Eu já trabalhava numa pequena agência, mas não queria perder aquela oportunidade de estagiar numa grande, por isso, fiz o meu melhor. Após algumas semanas, saiu o resultado e, surpreendentemente, levou uma das vagas um colega nosso que não sabia a diferença entre layout e rough, muito menos era bom de Criação. Mas levou. Foi uma festa na faculdade.

Meses depois, o estágio acabou, bem antes do previsto. Segundo o nosso colega, o Diretor de Arte não ia com a cara dele, por isso fez de tudo para queimá-lo. Mas a verdade não tardou a surgir: um outro colega nosso, que já era da Criação de uma grande agência, fez o trabalho para o amigo, para dar uma forcinha na sua carreira. Vira e mexe, eu encontro com o meu ex-colega embusteiro. Ele trabalha numa grande empresa, num departamento qualquer, sabe-se lá como.

A pergunta que fica é: vale a pena trapacear? Bom, pelo jeito, no caso do rapaz acima, infelizmente sim. Ele muito provavelmente usou o nome da grande agência em seu currículo para cavar vagas em outras grandes empresas e se está conseguindo se manter, é porque deve ter aprendido algo com tudo isso, nem que seja a fazer as coisas por si mesmo. No caso das campanhas “inspiradas” nas outras ou em conceitos, rola uma polêmica, o meio publicitário se inflama, mas o restante da população não dá bola, a campanha faz sucesso e, principalmente, faz o seu trabalho: vender.

E no caso do Anderson Silva? Bom, pra começar, não foi plágio, muito menos trapaça. Silva é um excelente lutador e fez uma luta correta, limpa. Se o chute dele foi aprendido com o Steven Seagal, no Muay Thai ou jogando uma pelada com os amigos aos domingos, não importa. Essa paternidade desconhecida do chute teve o mesmo efeito positivo que nos infames casos de plágio e trapaça contados acima: resultou em sucesso.

Mas só em um dos casos a ética não foi chutada.

Depois de um tempo exercitando meu lado zen, promovendo um exílio digital espontâneo, voltei a dar uma passeada pelos blogs amigos.

O post que encabeçava o Blog do Crespo hoje pela manhã é o retrato da piada automotiva mais antológica de todos os tempos:

Fuca de Mulher

Pois é. Como foi levantado pelo Filipe (o dono e proprietário do Blog do Crespo), hoje esse anúncio nem sairia da HD do pessoal da Criação, a não ser que fosse enviado pro Desenblog. E se fosse para outro destino, como alguma revista de circulação nacional, o CONAR estaria cheio de reclamações de feministas furiosas (redundância, eu sei…).

Mas, por que isso rola hoje e não naquela época?

Quem gosta de ler Luís Fernando Veríssimo, com certeza já leu o fantástico Analista de Bagé (em breve resenhado aqui no Kick). O psicanalista reichiano dos pampas se dizia uma pessoa moderna, ciente dos direitos das mulheres. Para ele, a mulher tinha o direito de fazer o que quisesse, mas só depois de estender as roupas.

Piadas como essa eram muito comuns na época em que foi escrita. E o engraçado é que tal época foi o auge da luta feminina pelos seus direitos e uma época em que as campanhas publicitárias começaram a adotar um tom menos machista e mais libertário.

Só para embasar a minha teoria, resolvi dar uma passeada pelo acervo eletrônico de anuários do Clube de Criação de São Paulo. Infelizmente, o primeiro é do ano de 1976, bem depois do anúncio acima, assim não sendo possível fazer uma comparação mais profunda. Mas, não tem tu, vai tu mesmo… Peguei só quatro exemplos de anúncios para revista do ano para analisarmos. Os títulos que dei nada têm a ver com os anúncios. Não custa nada avisar…

Anúncio 1: “Macho no volante”

CorrerChevrolet

Pra quem não conhece o tiozinho acima, apresento Chico Landi, uma das maiores lendas do automobilismo brasileiro. A criação do anúncio é de ninguém menos que Washington Olivetto, quando ainda trampava para a DPZ. O ano de 1976 fervilhava de rebeldia sexista, mas ainda assim a iconização do “piloto”, ou de alguém que dirigia bem, era masculina, neste caso o saudoso Chico. Carro ainda era coisa de menino, apesar dos movimentos feministas. Assim, a campanha tinha um público alvo bem segmentado. Naquela época, jamais imaginaríamos uma campanha como a do Meriva Easytronic, de 2007, que foi escancaradamente feita para meninas:

Anúncio 2: “Incomodada é a pqp”

OB

A liberdade feminina começa a dar as caras nas campanhas publicitárias. Com OB… Sim! “Os carros ainda não não para você, mocinha. Nem os cigarros, nem as novidades eletrônicas, nem um estilo de vida moderno e arrojado. Mas você pode usar aquele biquininho cavado que te deixa uma delícia durante os 30 dias do mês. Depois disso, dê uma olhada nas promoções de eletrodomésticos e peça ao seu marido para comprá-los.”

Bom, pelo menos é melhor que aquela bosta daquele comercial do Sym Abas Transparentes (é minha opinião, tá!?). Nunca me conformei com apergunta óbviamente ridícula sobre o líquido azul. O que vocês queriam? Vermelho menstruação?

Anúncio 3: “Até que as jóias os separe”

Joia_HStern

Realmente, naquela época, as mulheres eram seres monstruosos, que só ficavam com seus maridos se fossem constantemente alimentadas com ouro e pedras preciosas.  Brincadeiras à parte, o casamento já começava a ser uma instituição questionável na década de 1970, enquanto outro fenômeno passava a ter um crescimento estatístico vertiginoso: o divórcio. A aliança, que há séculos vinha sendo o símbolo de uma união eterna, que somente a morte poderia separar (como dizia Henrique VIII), foi banalizada como uma simples jóia. No frigir dos ovos, de acordo com o raciocínio da peça, somente uma jóia pode segurar uma mulher. O casamento precisa ser duradouro e, para isso, é preciso manter a mulher te amando. Assim, como a aliança é uma jóia e como as mulheres são seres insensíveis a outras coisas que não jóias, é bom você continuar comprando jóias para ela. Ou então passarás a eternidade gastando uma nota com pensões…

Anúncio 4: “A redenção”

Bombril

Alguém pode me apontar o público-alvo da peça acima? Claro! O que passa pela nossa cabeça é que o anúncio fala com a dona de casa. Atire a primeira pedra quem não pensou isso (e se estiver mentindo tenha vergonha na cara!).

É notório que a Bom Bril sempre falou com esse público. Mas, leiam a peça com atenção. Onde está escrito que é pra dona de casa, ou pra sua esposa, ou pra sua mãe?

Nessa época já tínhamos uma série de homens solteiros ou recém-divorciados que moravam sozinhos e, por razões diversas, cuidavam eles mesmos dos próprios lares. Sem vergonha nenhuma ou constrangimento em fazer a própria comida, lavar a própria roupa e passá-las etc.

Assim, o preconceito desta peça específica, com redação de Ana Clélia Quarto (isso, uma mulher!), da McCann-Erickson, está na cabeça do leitor.

Fica aqui mais uma lição do titio Lelo: a mensagem da peça é composta pela mensagem propriamente dita e pelo repertório e percepção do receptor. Uma coisinha básica que aprendemos na faculdade, mas que tem muito publicitário ruim por aí que não faz questão de lembrar.

Depois de um tempo hibernando...

Depois de um tempo hibernando...

 

Faz um mês, mais ou menos, numa segunda-feira antes de começarem as aulas, estava voltando para casa ouvindo o Comercial e Companhia, na Band News FM. O entrevistado do dia era o Marco Versolato, o novo VP de Criação da Y&R. De todas as coisas que ele falou, a que mais marcou foi sobre unir inteligências em um processo de criação.

Para quem não sabe, o processo de criação numa Agência de Publicidade começa, geralmente, com a equipe de criação, capitaneada pelo que chamamos de dupla de criação (Redator + Diretor de Arte), recebendo um briefing do sr. Atendimento. A partir daí, a dupla de criação começa desenvolver a campanha. Esse conceito de dupla de criação foi trazido pelo grande Alex Periscinoto (AlmapBBDO) no século passado (uau!) e até hoje é o que dá o tom das peças publicitárias. Enfim, o Redator cuida do texto, o Diretor de Arte do layout e os Assistentes de Arte executam a idéia geral.

Mas as palavras de Versolato pareciam uma marreta apontada para a chamada Dupla de Criação. Ao ser perguntado sobre as mudanças que ele gostaria de promover como novo VP de Criação, ele respondeu que uma delas era reunir, num processo criativo, diferentes inteligências e não somente a dupla.

Que tal um brainstorm feito por um Redator, um Diretor de Arte,  um Webdesigner, um Acessor de Imprensa, alguém do Planejamento e um Mídia? A propósito, o brainstorm original era realizado com a presença de representantes dos diversos departamentos da empresa com a intenção de aproveitar, na busca de uma solução para um problema ou desafio, o ponto de vista de todos eles.

Isso tá me cheirando uma volta às raízes, já que a Publicidade se apropriou dessa ferramenta corporativa e a incorporou ao processo criativo. Hoje, uma dupla faz o brainstorm (às vezes ‘deixam’ o Atendimento cornetar). Em breve, se o Marco Versolato baixar a sua marreta no mais novo paradigma chamado Dupla de Criação, diversas cabeças fazendo um ‘toró de parpite’.