Hoje eu estava almoçando com a Kátia num restaurante na região da Berrini. O que mais tem em restaurante nessa área na hora do almoço é gente que trabalha nos escritórios da região.
Aí, inevitavelmente, a gente começa a ouvir as conversas das outras mesas (restaurante apertadinho, fazer o que?!) e acaba ouvindo um cancioneiro enorme de idiotices corporativas.
O cara da minha frente (parecia que estava tentando impressionar a moça com quem almoçava) soltou a seguinte pérola: “Eu não consigo me manter por muito tempo numa zona de conforto. Aliás, eu fujo da zona de conforto. Eu sou assim, arrojado…”
Tá aí uma coisa, juntamente com aquela excrescência do “copo meio vazio/ meio cheio”, que me irrita nessas coisas de PNL, leader-team e outros embustes de auto-ajuda corporativa. Se eu sou um empresário e ouço do candidato à uma vaga na minha empresa a frase sobre fugir de uma zona de conforto, descarto o sujeito na hora. Isso é praticamente que ir contra a natureza de qualquer ser vivo que tenha o mínimo de instinto de sobrevivência. Eu, Lelo, um ser humano (é verdade, juro), vou sempre procurar lutar pela minha sobrevivência, o que implica, inclusive, a procura de um lugar em que me sinta seguro, protegido. Estar protegido significa que minhas chances de sobrevivência são infinitamente maiores do que se eu estivesse exposto. Se estou protegido, me sinto seguro, consequentemente, me sentirei confortável. A tal “zona de conforto” que o beócio à minha frente disse evitar por ser arrojado.
Na minha terra, ele ganha um carimbo de suicida e com certeza, não o quero em minha empresa para afundá-la juntamente com seus delírios sobre arrojo.
Coincidentemente, ao ir para o trabalho hoje, ouvia ao Salomão Schwartzman narrando sua crônica sobre um caso corporativo interessantíssimo. Um presidente de empresa, numa reunião de diretoria, brada que ninguém é insubstituível. No meio do silêncio da platéia amedrontada, um diretor levanta a mão e pergunta: “E Beethoven? Também não é insubstituível? E Einstein? E Muhamad Ali?”
Pois é. O velho Salomão em poucos minutos sapateou em cima de um dos paradigmas corporativos mais cretinos dos últimos tempos. A justificativa dele foi feita em cima de outro paradigma: o tal do “busca-se talentos”. Que RH insano faria um processo seletivo para contratar para as fileiras de sua empresa um cara meia-boca, average, burro ou sem talento? É uma das coisas mais cretinas do mundo dizer isso num texto de processo seletivo. E daí? Contrata-se o “talento”, que fica uns dois anos na empresa e vai para outra empresa, sem um pio da direção. O que se faz? Procura-se outro “talento”. Bah! Duvido que o novo “talento” vai arrepiar como o anterior. Mas, pra quê tentar segurar o cara, né!?
Isso para não falar da porcaria do copo meio-cheio-meio-vazio…